Santa ISABEL DA HUNGRIA, modelo de franciscana secular
(14.07.2007 – 8.45 às 9.30, na Casa de Santa Fé – São Paulo - Capítulo Regional da OFS – Ordinário e Eletivo)
I. INTRODUÇÃO
Em comemoração ao oitavo centenário do nascimento de Santa Isabel da Hungria, que a Ordem Franciscana Secular começou a celebrar em 17 de novembro de 2006 e terminará em 17 de novembro de 2008, tive a oportunidade de participar de dois eventos muito importantes a respeito da vida desta Santa reconhecida pela Igreja como Padroeira da Ordem Franciscana Secular e da Terceira Ordem Regular masculina e feminina. O primeiro deles foi um curso de 15 a 20 de janeiro de 2007, em Córdoba, Argentina, com uma ampla reflexão sobre o tema: “O franciscanismo ante os desafios da mulher ontem e hoje”, onde o dia 18 foi totalmente dedicado a Santa Isabel da Hungria. O segundo foi um Congresso de estudo realizado nos dias 23 e 24 de fevereiro em Roma na Pontifícia Universidade Antoniano, no qual estive com toda a Presidência do CIOFS participando de todo o programa desenvolvido no dia 23 de fevereiro.
Extraí dos conhecimentos que obtive a realidade que pude captar dos escritos, com uma releitura teológica do ideal vivido por Santa Isabel, primeiro como penitente franciscana secular até 24 de março de 1228, quando após a morte de seu marido fez sua segunda consagração a Deus, esta com os votos de castidade, pobreza e obediência. No entanto, esta também foi uma consagração secular, pois naquele tempo a Igreja não previa a possibilidade de admitir uma mulher viúva, que queria servir a Deus no meio do mundo com suas colaboradoras. Só havia mulheres religiosas reclusas nos conventos. Hoje existem para as situações análogas à de Isabel, os Institutos Seculares.
O fato de usar um hábito cinza não a identifica como religiosa, pois também muitos penitentes franciscanos seculares o usavam. Recebeu esta ordem de seu confessor Conrado após sua segunda profissão com os votos.
Vocês verão, por nossa reflexão a seguir, que mostra parte de sua vida, como Isabel foi realmente um exemplo de franciscana secular apaixonada por Deus, que viveu com todas as suas forças seu ideal de santidade completamente diferente de tudo que havia na sociedade de seu tempo, tendo enfrentado para isto muitos revezes que só concorreram para a glória de Deus e sua santificação.
Não existem documentos antigos que digam expressamente que Isabel tenha sido membro da Ordem da Penitência de São Francisco. Existem, no entanto, muitos testemunhos que atestam sua forte ligação com a espiritualidade franciscana e com Francisco mesmo, apesar de não tê-lo encontrado em vida.
II. A VIDA DE ISABEL ANTES DO CASAMENTO
Alguns dados de sua cronologia são importantes para esclarecer, de modo sucinto, os momentos mais importantes de sua história.
1.200 – nascimento de Luís IV, futuro marido de Isabel.
1.207 – Isabel nasce em Sarospatak, ao norte da Hungria.
1.211 – Traslado de Isabel, com quatro anos de Presburgo da Hungria, para o castelo de Marburgo na Turíngia, já na região da Alemanha, onde foi educada pela Condessa Sofia, sua futura sogra.
1.213 – A rainha Gertrudes da Hungria, mãe de Isabel, morre assassinada.
1.221 – Ocorre o casamento de Isabel com Luís IV, quando ela tinha 14 anos.
Sobre este tempo, temos o depoimento de Guda, uma jovem religiosa que conviveu com Isabel desde os 4 anos de idade, quando esta passou a viver em Marburgo.
Esta sua serva e companheira atestou sob juramento, que Isabel mostrou grande zelo pela religião desde a infância. Orientava suas intenções e ações a Deus, tanto nos momentos mais sérios, como nos recreativos.
Citamos alguns exemplos de suas manifestações para Deus:
Ø 1. Quando tinha 5 anos, não sabia ler, mas chegava diante do altar, abria o saltério como se estivesse rezando. Com sua boa índole, fazia muitas vezes secretamente genuflexões, buscando de muitas maneiras, ocasiões para entrar escondida na capela. Caso percebesse que as empregadas a observavam, fazia de conta que estava jogando e pulava até chegar à frente do altar, onde se punha de joelhos, com as mãos juntas em oração, apoiando a boca sobre o chão.
Ø 2. Igualmente saltando com um pé só, com outras meninas de sua idade, as fazia ir em direção à capela, e, com a desculpa de um jogo, não podiam entrar, então ela beijava as paredes do templo.
Ø 3. Sempre nos jogos com as meninas, punha em Deus sua esperança de ganhar e, para obter vantagens, prometia a Deus algumas genuflexões com a Ave Maria. Se às vezes não podia cumprir isto diante das meninas, dizia-lhes: “Vamos nos medir, para ver quem é mais alta”. E assim, muitas vezes se prostrava ao chão para medir-se e rezar a Ave Maria.
Ø 4. Cada dia renunciava a alguma coisa, sacrificando sua própria vontade por amor de Deus. Assim quando ganhava bem nos jogos com as outras meninas dizia: “Agora que estou ganhando muito bem, vou deixar o jogo por Deus”.
Ø 5. Antes das Missas e nos dias festivos, desde muito jovem já gostava de renunciar aos enfeites e jóias. Em sua adolescência, tendo humildemente a Deus diante de seus olhos e invocando-O em cada ação de sua vida, tudo dirigia a Ele.
Ø 6. Era obediente, mas se era obrigada a ir dormir antes de acabar suas orações habituais, continuava rezando em sua cama.
Essas atitudes mostram o espírito penitente de Isabel desde a infância. Não temos notícia do que conhecia a respeito dos penitentes de Assis, na Itália, mas existia em seu ser uma forte tendência a esse modo de vida.
Seu relacionamento com Luís IV era muito bom. Concordavam em muitas coisas no modo de pensar e tratavam-se como irmãos. Assim, o trato comum entre eles era: “querido irmão”, “querida irmã”.
No ano de seu casamento, lembramos que a Igreja aprovou a primeira regra para todos os penitentes da época: o “Memoriali Propositi”.
III. A VIDA CONJUGAL DE ISABEL
Eis um resumo da cronologia deste tempo, núcleo de sua vida como franciscana secular:
1.222 – nascimento de seu filho Germano II, o herdeiro do trono, quando tinha 15 anos.
1.224 – nascimento de Sofia, sua filha.
1.225 – No princípio do ano, os franciscanos se estabelecem em Eisenach e Isabel lhes oferece uma capela. O irmão leigo Rodrigo se converte em conselheiro espiritual de Isabel e a instrui com os ideais franciscanos de penitência.
1.226 – Durante o inverno nos anos de 1225 e 1226, Isabel reparte provisões aos pobres. Conrado se converte em seu confessor. Isabel faz votos de obediência em suas mãos, deixando a salvo os direitos de seu marido (Naquele tempo as mulheres que queriam viver em estado de penitência de modo mais comprometido, prometiam obediência ao visitador, ou confessor. Assim fez Santa Clara a São Francisco, como confessa ela mesma em seu testamento). Ao mesmo tempo, emite os votos de continência, em caso de eventual morte de seu esposo. Isto ocorreu em Eisenach, no Mosteiro de Santa Catalina (onde vivia sua sogra Sofia).
1.227 – Em 11 de setembro, morre Luís IV, em Otranto, sul da Itália. Em 29 de setembro nasce sua filha Gertrudes. Enrique Raspe, irmão de Luís, assume a regência em lugar de Germano II, filho de Luís e Isabel, de cinco anos. Isabel abandona o Castelo de Marburgo e passa a viver na miséria.
De modo geral, vemos que fez realidade de sua vida o programa proposto por Jesus no Evangelho: “Quem pretender guardar sua vida, a perderá; e aquele que a perder por amor a mim ou ao Evangelho, a salvará” (Lc 17, 33 e Mc 8, 35).
“Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mc 8, 34-35).
De 1221 a 1227, Isabel foi exemplar esposa, mãe e condessa da Turíngia, uma das mulheres de maior importância do império.
As relações matrimoniais entre eles não eram segundo o estilo comum da época, na maioria das vezes marcado por razões políticas ou de conveniência. Tinham um afeto autêntico, fraterno e conjugal. Ambos compartilhavam os mesmos ideais de vivência da fé. Exortavam-se mutuamente e se animavam para louvar e servir a Deus.
Aqui temos uma das notas da santidade de Isabel. O matrimônio não era contemplado então, na Igreja, como um caminho para a santidade, como eram a virgindade, o martírio, ou a vida monacal. Da bula de canonização se observa que o Papa o considerou como um dos elementos que conferiam novidade à santidade de Isabel.
Estando casada, dedicava muito tempo à oração em altas horas da noite. Acima de todas as circunstâncias humanas, para ela contava o amor de Deus, o Bem absoluto, todo Bem, sumo Bem. Deus era o valor supremo e incondicional que alentava todos os outros amores ao esposo, aos filhos e aos pobres.
No depoimento de Isentrudis, religiosa que conviveu com Isabel cerca de 5 anos, quando vivia seu marido, declarou sob juramento que sempre a viu como uma senhora muito religiosa e humilde, muito caridosa e dada à oração. Relatou muitos exemplos extraordinários, dos quais extraímos alguns:
Ø 1. Um dia quando estava vestida para uma festa, às escondidas, tomou consigo um mendigo de aspecto horrível, que sofria uma enfermidade na cabeça. Com suas próprias mãos, lhe cortou os cabelos muito sujos, colocando a cabeça do enfermo em seu próprio regaço. Depois lhe lavou a cabeça no quarto de asseio privado, para evitar olhares indiscretos. Quando chegaram suas empregadas, a repreenderam por este motivo, mas ela lhes respondeu com um sorriso.
Ø 2. O “mestre” Conrado lhe ordenou que não usasse dos bens do marido, se não estivesse segura da honestidade de sua procedência. Ela cumpriu tão fielmente isto, que mesmo estando à mesa com o marido se abstinha das coisas se não se informava antes se provinham das rendas ou dos bens legítimos de seu marido. Quando se serviam produtos de origem injusta, diante dos soldados e servos, cortava pedacinhos de pão e outros alimentos e os repartia para dissimular que comia. Quando ela e suas três companheiras de acordo com isto, pediram ao Conde que não levasse a mal que, enquanto os outros comiam, elas não o faziam, mas disfarçavam, ele respondeu: Tudo isto eu mesmo faria de bom gosto se não temesse as falácias da família e dos demais. Contudo, diante de Deus, logo decidirei sobre o que seja mais oportuno para minha situação”.
Ø 3. Isabel mantinha a si mesma e aos seus com alguns bens que recebeu no seu dote. Quando não podia comprar o necessário, pedia às pessoas de confiança, com as quais podia falar, ou por meio de enviados, o que necessitava. Com estas coisas assim obtidas tinha mais alegria do que com os alimentos da corte; tudo com a intenção de observar as ordens do “mestre” Conrado.
Ø 4. Conrado também lhe impôs que jamais utilizasse dos bens de outros, dos quais sabia que não viviam dignamente. Por isto passava às vezes penúria, alimentando-se somente com pedaços de pão e mel. E se sentia contente com suas servas pelo pouco que podiam comer com segurança. De fato, em meio à fartura da mesa de seu marido, algumas vezes padecia sede e fome. Seu marido sempre procurava provê-la secretamente com os bens dos quais podia se servir. Uma vez, estando à mesa com seu marido e abstendo-se de muitos alimentos vetados, Isabel dispunha apenas de cinco passarinhos que lhe haviam servido. Reservou uma parte para si, repartiu com suas três servas e sentiu-se contente com o almoço.
Ø 5. Sofria mais pela penúria de suas companheiras que pela própria, quando não as podia prover com bens legítimos. A partir disso pedia provisões com freqüência aos camponeses. Quando obtinha só bens legítimos, dizia a suas servas: “Hoje somente podeis comer”. Outras vezes dispunha só de bebida lícita, proveniente por sorte das vinhas do marido, então exclamava: “Hoje somente podeis beber”. Quando finalmente se inteirava de que ambas as coisas eram de legítima procedência, batia as mãos com regozijo e exclamava: “Que sorte para nós, agora comeremos e beberemos”.
Ø 6. Sucedeu uma vez que Isabel, acompanhando o marido em uma grande cavalgada e não encontrando aqueles alimentos dos se podia servir com boa consciência, teve à mão somente um grande pão escuro e duro, que melhorou apenas com um pouco de água quente. Naquela ocasião se contentou com suas servas com este alimento, porque aos sábados jejuavam.
Ø 7. Por este modo particular e pouco usual de viver, tanto a própria Isabel como seu marido, que lhe permitia tais coisas, agüentavam com muita paciência as críticas dos seus, às vezes até faladas pessoalmente. Ainda que ela se abstivesse dos bens procurados ilicitamente, todavia, quando podia, se preocupava em ressarcir para aqueles que haviam sido prejudicados.
Ø 8. Frequentemente durante a noite Isabel se levantava para fazer orações e seu marido a admoestava para que não se mortificasse. Às vezes mantinha uma mão de Isabel entre as suas, enquanto ela rezava.
Ø 9. Também deixando seu esposo dormindo, se fazia disciplinar rigorosamente com as servas em um quarto secreto e, depois da oração, voltava para sua cama. Isto o fez frequentemente depois de prometer obediência a Conrado. Com antecedência às vezes o fazia durante a quaresma ou às sextas feiras. Estando ausente seu marido, passava muitas noites em vigílias, genuflexões, disciplinas e orações.
Ø 10 . Quando vinham visitá-la mulheres mundanas, falava com elas como uma pregadora sobre Deus, induzindo-as com freqüência a comprometer-se com uma promessa de abster-se ao menos de alguma de suas vaidades. Quando não conseguia convencê-las de abandonar muitas presunções, tais como bailes ou decotes, ou cintos de seda entrelaçados com os cabelos, ou outro adorno dos cabelos, ou demais coisas supérfluas, procurava induzí-las a usar mangas decentes, para que nelas brilhassem os bons costumes. Além disso, as exortava a fazer voto de continência depois da morte de seus maridos.
Ø 11. Desde adolescente, durante a celebração da missa, costumava deixar seus adornos: os colares, anéis e outros ornamentos corporais. Deixava também o véu da cabeça entrelaçado artisticamente, antes do Evangelho, ou dos Salmos e o tirava com humildade e inclinada principalmente no momento da consagração.
Ø 12. Na purificação depois do parto de cada filho, passados os dias estabelecidos, enquanto as outras parteiras costumavam ir à Igreja com grande acompanhamento e vestidos preciosos, Isabel ia à Igreja humildemente vestida de lã, com os pés descalços. Levava a criança nos braços, a exemplo da Virgem Maria, com uma vela e um cordeiro, para oferecê-lo sobre o altar. Em seguida voltava para casa; costumava presentear a túnica e a capa que havia usado, a uma mulher pobre.
Ø 13. Em tempo de súplicas, seguia a procissão da cruz vestida de lã e com os pés descalços. Nas estações de pregações sempre se colocava entre as mulheres mais pobres.
Ø 14. Enquanto vivia o marido, fiava lã com suas servas e mandava fazer tela para o vestuário dos frades menores e dos pobres. Costurava com suas próprias mãos também os vestidos para os catecúmenos pobres, os preparava para serem batizados tornando-se madrinha ou para ajudá-los mais generosamente.
Ø 15. Também preparava com suas mãos mortalhas para os defuntos, os tratava e trocava com suas próprias mãos e participava de suas exéquias. Cortou em pedaços uma grande cortina branquíssima de linho e a destinou só para mortalhas. Não suportava que só os defuntos ricos fossem revestidos com camisas e lenços novos, e ordenava que os panos melhores fossem destinados aos pobres.
Ø 16. Com freqüência Isabel visitava as parturientes pobres e as confortava. E quando os emissários de tais pessoas e de outros enfermos lhe pediam alguma coisa, os visitava em seus domicílios, porque vendo-os, se dispunha melhor à misericórdia e à compaixão. E ainda que sua casa fosse distante, e o caminho cheio de barro e áspero, os visitava pessoalmente entrando em seus casebres paupérrimos. Não temia a imundície, lhes levava quanto necessitavam e os confortava. Assim ganhava um triplo mérito: o do trabalho, o da compaixão e o da generosidade.
Ø 17. Visitando uma vez um enfermo pobre e ouvindo-o lamentar-se sobre algumas dívidas que não podia pagar, Isabel as pagou por sua conta.
Ø 18. No tempo de fome geral e carestia, quando o marido teve que partir para Cremona distribuiu em esmola aos pobres todas as provisões provenientes das granjas especiais do príncipe. Dava-lhes quanto necessitavam cada dia, durante muitos dias. Debaixo do altíssimo Castelo onde ela residia (Marburgo), havia uma grande casa onde ela recolhia muitos enfermos que não podiam acudir à distribuição geral de esmolas. Apesar das grandes dificuldades de subida e descida, os visitava algumas vezes ao dia, confortando-os e admoestando-os à paciência e para salvar suas almas. Satisfazia em tudo os desejos de cada um, chegando a vender suas jóias para alimentá-los.
Ø 19. E ainda que não suportasse de modo algum o ar corrompido, no verão suportava sem desgosto o odor dos enfermos, que as servas, reclamando a duras penas agüentavam. Cuidava com alegria dos enfermos com suas próprias mãos; com o véu de sua cabeça lhes secava o rosto, as babas e toda sujeira de seus lábios e narizes.
Ø 20. Isabel acolhia na mesma casa a muitas crianças pobres às quais satisfazia bem, tratando-as com tanta benevolência e ternura que todos a chamavam de mamãe e quando ela entrava na casa corriam para rodeá-la. Entre estas crianças amava de maneira especial aos enfermos, débeis e aos mais sujos e deformados, os estreitava com suas próprias mãos contra seu peito. Comprava brinquedos para divertí-los.
Ø 21. Além desses enfermos, dos pobres que recebiam esmolas, Isabel escolheu os mais miseráveis e necessitados e os alojou diante do castelo. Distribuía-lhes pessoalmente tudo o que sobrava de sua mesa, privando-se a si mesma e às servas de muitas coisas para atendê-los. Um dia depois de repartir as esmolas, lhes repartiu também a cerveja com um jarro em pequenas quantidades. Depois de servir a todos, viu que a cerveja não diminuía e o jarro afinal, estava cheio.
Ø 22. Como tinha provido a população até a nova colheita, Isabel repartiu a todos os que podiam trabalhar camisas e calçados adequados, para que não prejudicassem os pés e para que viessem a alimentar-se com o próprio trabalho. Aos inválidos, no entanto, incapazes de trabalhar, lhes deu roupas que mandou adquirir no mercado.
Ø 23. Isabel mesma distribuía todas estas coisas com alegria. E quando os pobres iam embora dava alguma coisa a cada um. Uma vez que não tinha dinheiro deu às mulheres pobres, abrigos e outros artigos de seda, dizendo-lhes: “Não quero que usem estes objetos por vaidade, mas que os vendam para suas necessidades e os esforços com o trabalho”.
Ø 24. Quando estava em sua maior glória, Isabel aspirava à mendicidade e falava com suas companheiras quase sempre sobre a pobreza. Vestindo-se com um vil abrigo no palácio, diante delas, e cobrindo a cabeça com um pano vil, exclamou: “Assim irei um dia, quando pedir esmola e suportar miséria por amor a Deus”.
Ø 25. Na Ceia do Senhor celebrava solenemente o lava-pés com os pobres. Numa quinta feira santa convocou a muitos leprosos, lavou-lhes os pés e mãos, rodeada diante deles, humildemente, lhes beijava. E sempre que encontrava leprosos, se sentava junto a eles, os consolava e exortava à paciência, não os tratava com desprezo, mas como pessoas sadias e lhes distribuía muitas esmolas.
Ø 26. Naquele tempo entre os nobres era comum que as crianças se separassem de seus pais e para ambos isto não significava um grande problema. Por isso conseguiu conciliar sua vida de doação aos pobres e enfermos com os cuidados de sua casa.
IV. A VIDA DE ISABEL APÓS A MORTE DE SEU MARIDO
Resumo da cronologia deste tempo:
1.228 – Segunda profissão de Isabel numa sexta feira santa em 24.03.1.228; renova seus votos na Igreja dos franciscanos em Eisenach. Renuncia à sua própria vontade e às pompas do mundo. Recebe um hábito de penitente franciscana do Visitador Conrado. Isabel rechaça os planos matrimoniais de seu tio Egberto, Bispo de Bamberg. Recebe os despojos de seu marido que são sepultados no Mosteiro familiar de Reinhardsbrun.
Conrado consegue que Isabel receba seu dote de viúva. No verão Isabel se mudou para Marburgo, onde construiu um Hospital.
Em 16 de julho o Papa Gregório IX canoniza a São Francisco de Assis.
1.229 – Isabel dedica sua vida para cuidar dos enfermos, à prática da ascese e da contemplação, no Hospital de Marburgo.
1.231 – Em 17 de novembro, morre Isabel em Marburgo. A capela do Hospital São Francisco se converte em lugar de peregrinações para venerar os restos de Isabel e invocar sua proteção. Aconteceram muitas curas extraordinárias junto ao seu túmulo. Conrado é nomeado inquisidor pontifício, para iniciar o processo de canonização de Isabel.
1.233 – Conrado é assassinado por membros da alta nobreza alemã, em 30 de julho e o Papa Gregório nomeou outra comissão para terminar o processo.
1.235 – Gregório IX canoniza Isabel na Festa de Pentecostes, na Igreja dos dominicanos em Perusa. Começa a construção da Basílica de Santa Isabel em Marburgo.
Ø 1. Depois da morte do marido Isabel foi expulsa do castelo e privada de todos os seus bens e dote, por alguns empregados de seu marido, quando seu irmão era ainda jovem. Dirigiu-se a Eisenach, onde abaixo de seu castelo encontrou uma pobre casa situada no pátio, onde ficou hospedada. Era um armazém de recipientes e utensílios, onde antes ficavam também os porcos. Ali passou aquela noite com grande alegria. À meia noite, dirigiu-se aos frades menores, na mesma cidade, pedindo-lhes que cantassem o Te Deum, alegrando-se e dando graças ao Senhor por aquelas tribulações.
Ø 2. No dia seguinte, como nenhum rico queria dar-lhe hospedagem, entrou com suas acompanhantes numa Igreja, onde permaneceu muito tempo sentada. E trouxeram seus filhos pequenos do castelo, num dia muito frio. Não sabia aonde ir para acomodar seus filhos, que por direito de sucessão paterna, tinham a propriedade de toda a cidade.
Ø 3. Por fim, forçada pela necessidade, pediu a um sacerdote misericórdia para os seus filhos e lhe entregou algumas prendas. Ele lhe ordenou que se dirigisse a um certo rival, onde foi obrigada a estabelecer-se com toda sua família em um lugar estreito, mesmo tendo a casa muitas dependências. Mas como o albergue e o hospedeiro lhe eram insuportáveis, bem como para os seus, ao ir-se abençoou os muros que os resguardaram do frio e da chuva.
Ø 4. Como não pôde encontrar um lugar mais acolhedor, regressou de novo à casa suja onde esteve logo que deixou o castelo. Sofrendo, sem motivo algum, a perseguição de parte de quase todos os empregados de seu marido, privada de seus bens e forçada à indigência, enviou seus filhos a diversos lugares distantes, onde pudessem ser alimentados. Ainda assim, do pouco de que dispunha para alimentar-se, tinha o que dar aos pobres.
Ø 5. Certa vez Isabel diante de suas companheiras, olhava fixamente a janela. Viram em seu rosto um grande júbilo. Depois de bom tempo fechou os olhos e começou a chorar abundantemente. Pouco depois abriu os olhos e ria muito. E assim ficou até à noite. Fechava os olhos, chorava e depois sorria, com grande felicidade. Finalmente, depois de grande silêncio, exclamou: “Assim Senhor tu queres estar comigo e eu quero estar contigo e não quero jamais me separar de ti”.
Ø 6. Isentrudis insistiu com Isabel para que revelasse com quem estava falando. Depois de muito pedir, Isabel lhe respondeu: “Vi o céu aberto e meu doce Senhor Jesus inclinado para mim, que me consolava pelas diversas angústias e tribulações que me circundam. Vendo-o deu-me uma grande alegria e me pus a rir. Quando virou o rosto para ir-se, chorei. Mas Ele, movido de compaixão, voltou seu olhar sereníssimo para mim dizendo: Se queres estar comigo, eu estarei contigo. Eu lhe respondi como já ouviram antes”.
Ø 7. Depois desses fatos sua tia Matilde, a conduziu ao seu tio, o Bispo Egberto, que pretendia preparar-lhe novas núpcias. Isabel reagiu fortemente a isto dizendo a suas companheiras: “É tão firme minha confiança no Senhor, que conhece meu voto de conservar a castidade, já emitido quando vivia meu esposo. Saiu de um coração puro e sincero que, confiando em sua misericórdia, sei que é impossível que deixe de preservar minha castidade contra qualquer projeto humano e violência. Depois da morte de meu marido, prometi a castidade absoluta e não condicional, ou seja, se gostasse de meus amigos ou se Deus manifestasse outra coisa. Mas ainda se meu tio quisesse me desposar com outro homem contra minha vontade, me oporia com todo meu coração e de palavra. E se não tivesse outro remédio, estaria disposta a cortar meu nariz e assim, ninguém se preocuparia comigo, tão gravemente mutilada”.
Ø 8. Foi conduzida contra sua vontade, ao castelo onde deveria esperar seu novo matrimônio, como ela soube. Mas ocorreu por inspiração do Senhor que consola os aflitos, que chegou um mensageiro do Bispo Egberto com a ordem de conduzi-la a Bamberg, para receber os despojos de seu marido Luís.
Ø 9. O bispo acolheu com solenidade e em procissão os despojos. Isabel exclamou com lágrimas: “Senhor, te dou graças porque em tua misericórdia me destes o consolo de ver os ossos de meu marido, como tanto desejei. Tu sabes quanto o amei, mas não me arrependo do oferecimento que fez este seu filho querido e eu mesma como cruzado da Terra Santa. Se pudesse retê-lo daria todo o mundo em troca, ainda que tivesse que seguir com ele mendigando. Mas tu és testemunha de que eu não quis resgatar sua vida, nem sequer com um só cabelo, se fosse contra tua vontade. Agora o encomendo a tua graça, a ele e a mim. Seja feita conosco a tua vontade”.
Ø 10. A seguir Isabel se dirigiu à Turíngia com os empregados que levavam os restos mortais de seu esposo, para lhes dar sepultura na abadia de Reinhardsbrun. Estes prometeram a Isabel a recuperar seu dote, mas não o fizeram e novamente ela estava no estado de mendicidade. Sabendo disto seu confessor Conrado lhe ordenou que se transferisse para Marbugo.
Ø 11. Em Marburgo recebeu seu dote e objetos de valor que recebeu de seu pai, rei da Hungria. Distribuiu muitos bens aos pobres e fundou um hospital na cidade, ao qual deu o nome de Hospital São Francisco de Assis.
Ø 12. Teve que suportar muitos ultrajes, maledicências e um grande desprezo por parte dos nobres e empregados de sua terra, tanto que os seus não queriam falar com ela e nem sequer vê-la, pensando que era uma estúpida. Insultavam e difamavam a Isabel de muitas maneiras, como uma louca. Tudo suportava com paciência e alegria, de tal maneira que, pela alegria que mostrava na paciência, a repreendiam por ter esquecido tão rápido a morte de seu marido e se alegrasse ao invés de entristecer-se.
Ø 13. E como Conrado a induziu a desprezar todas as coisas, ela pediu ao Senhor o desapego de todas as coisas temporais; o desapego dos filhos; que soubesse valorizar-se para desprezar as ofensas. Terminada a oração, Isabel disse às suas servas: “O Senhor escutou minha súplica e agora tenho por lixo todos os bens mundanos que tanto amei. Igualmente Deus é testemunha que não me preocupo e quero mais a meus filhos que a meu próximo. Encomendei-os a Deus; Ele faça com eles como desejar. Também me alegro pelas calúnias, ofensas e desprezos que sofro; nada amo, senão somente a Deus”.
Ø 14. A depoente Irmgarda contou que Conrado ordenou a Isabel que fosse a Altenberg para verificar se poderia levar uma vida de clausura. As monjas pediram a Conrado que, quando chegasse Isabel, lhe permitisse entrar no Mosteiro para que as monjas pudessem vê-la. Conrado disse que poderia entrar se assim o desejasse, pensando que Isabel não ousaria entrar. Mas ela entrou, pensando que tinha permissão pelas palavras de Conrado. Quando ele soube, chamou Isabel e lhe apresentou o livro do Evangelho aberto, obrigando-a a jurar que o obedeceria em tudo, devido à excomunhão a que se expôs, entrando na clausura. Por isso encarregou a Fr. Gerardo (franciscano acompanhante de Conrado) que açoitasse bem a Isabel e Irmgarda, porém Isabel foi castigada mais duramente.
Ø 15. Isabel era tão prudente que pedia ao médico que controlasse sua dieta para não exceder nas penitências e assim ficar doente, impedindo que pudesse servir a Deus e tivesse que dar conta por suas grandes abstinências.
Ø 16. Tratava suas servas como suas irmãs e amigas. Algumas eram de origem muito pobre e humilde. Fazia muitas vezes os serviços destinados a elas, como lavar louças, roupas e outros utensílios, quando se ausentavam.
Ø 17. Quando estava chegando o tempo de sua morte e estando Conrado aflito por estar com uma grave doença, perguntou-lhe como pensava em prover seu futuro, depois da morte dele. Três dias depois dessa conversa ela ficou enferma. Assim permaneceu por mais de doze dias. Dois dias antes de sua morte pediu para ficar só, pois desejava meditar sobre seu último exame de consciência e em seu encontro com Deus Onipotente.
Ø 18. Conrado depois de confessá-la, perguntou o que se deveria fazer com seus bens e mobiliário. Ela respondeu que tudo que constasse como sua propriedade era dos pobres. Pediu-lhe que distribuísse tudo, menos a túnica, com a qual seria sepultada. Recebeu a comunhão e permaneceu com o semblante sereno, com sinais de extraordinária devoção.
Ø 19. Enfim encomendou a Deus a todos os que estavam presentes e expirou, adormecendo docemente. Era a manhã de 17 de novembro de 1231, tendo ela 24 anos.
Ø 20. Os monges cisctersienses e muitos outros religiosos vieram ao Hospital onde seu corpo foi velado por solicitação popular até a quarta feira sem manifestar nenhum sinal de morte, à exceção da palidez. De seu corpo saía um perfume aromático que fortalecia o espírito.
Ø 21. A partir do dia seguinte de sua sepultura o Senhor começou a obrar muitos milagres por meio de sua serva.
Ø 22. Isabel foi canonizada pelo Papa Gregório IX em 27 de maio de 1.235, na Igreja de São Domingos em Perusa. A Bula de Canonização foi publicada em 1º de junho de 1.236. O Papa fez grandes elogios a Isabel: sua origem real, seu amor à pobreza e ao serviço dos pobres, o voto de obediência, o gosto pela oração, a vida de fé, sua profissão como penitente franciscana, testemunhada também pelo hábito cinza e a variedade dos milagres que Deus operou por seus méritos.
V. Conclusão
Santa Isabel é extraordinária porque viveu intensamente na fé e sabedoria que recebeu do Senhor, pois tendo-O encontrado sobretudo nos pobres, não mediu esforços para serví-los, enfrentando muitos desafios de seu tempo:
Ø 1. ela não se importava se o necessitado era homem ou mulher, velho ou criança, acudia a todos, sem qualquer discriminação;
Ø 2. não tinha medo de ir ao encontro dos pobres em lugares sujos e perigosos, procurando saber do que precisavam para acudí-los como pudesse;
Ø 3. não se importava se a Igreja não a podia acolher oficialmente por ser viúva, pois o que lhe interessava era viver sua união com Deus junto de suas companheiras de ideal;
Ø 4. seu confessor e cunhado era muito severo, mas ela via nisto também uma graça para crescer nas virtudes, não tinha medo do sofrimento, o importante era superar os obstáculos para avançar no caminho da santidade;
Ø 5. ousava desobedecer a seu confessor quando este lhe pedia para amenizar seus excessos com o exercício da caridade;
Ø 6. não praticava uma caridade paliativa, mas orientava as pessoas para uma vida melhor, ajudando-os a conseguir trabalho e a conhecer a Deus;
Ø 7. lutou pessoalmente com suas companheiras de ideal contra a corrupção e os maus costumes de seu tempo;
Ø 8. foi um exemplo extraordinário de franciscana secular, porque viu com muita clareza sua missão diante de Deus e da sociedade, sendo ainda muito jovem;
Ø 9. foi uma mulher muito forte, pois nenhuma tentativa de afastá-la de seu ideal teve êxito, pois ela soube defendê-lo com todas as suas forças.
Questões para reflexão:
Que diria Isabel a você, membro da OFS ou da JUFRA nos dias de hoje?
Como se livrar da corrupção do mundo em nossos dias?
Você consegue enxergar nos pobres e enfermos o Cristo pobre e crucificado e ir ao encontro deles?
Bibliografia:
1. “Santa Isabel: Princesa da Hungria, Condessa da Turíngia, Penitente Franciscana” – Fr. Salvador Cabot – Ed. Franciscanos TOR – 2006.
2. Carta de Conrado de Marburgo a Gregório IX.
3. Processo de canonização – Declarações de suas quatro servas.
Trabalho organizado por
Maria Aparecida Crepaldi, OFS