sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Estar com as coisas e não sobre elas (Leonardo Boff)

Francisco não queria jamais estar sobre as coisas, nem cantar por meio delas. Queria estar com elas num radical sentimento de fraternidade. Elas cantam ao Criador; cabe-nos unirmo-nos ao seu cântico.

A todas chama ternamente de irmãs ou irmãos muito amados: o verme da estrada, a cigarra, a lua e até as enfermidades. Ser irmão e irmã de todos os seres não é para o homem do Paraíso, nascido em Assis, a dedução de algum princípio teológico, mas a expressão de uma ternura fundamental e de uma comoção do coração.

No outono de 1225, encontra-se muito doente, quase cego a ponto de não suportar o mais fraco raio de luz. Sofre interior e exteriormente. Vê a Ordem se transformando já numa instituição com conventos e prescrições, pondo em perigo a simplicidade evangélica.
Exteriormente os estigmas sangram e o enfraquecem sobremaneira. Francisco chega à igrejinha de São Damião. AÍ vive Clara. Cheia de solicitude ela manda construir uma choupana para acolher o companheiro de intuições e de experiências religiosas. Ratos correm por todo o espaço a ponto de impedir qualquer descanso ao seráfico estigmatizado.

Neste contexto de angústia e sofrimento, Francisco, certo dia, entra como que em agonia. No decurso deste transe ouve em espírito uma promessa inaudita: em recompensa por tantos padecimentos receberá um benefício que valor nenhum deste mundo se lhe poderá igualar: "alegra-te, ó irmão, e goza em meio às tuas tribulações e para o futuro estejas seguro como quem já está no meu Reino".

Francisco é tomado de alegria incontida. Já há muito tempo que não podia mais ver o irmão sol, nem a irmã lua, nem apreciar a água corrente e os campos floridos. Mas o coração vê melhor e mais profundamente que os olhos. Com o coração abrasado de júbilo e amor, compôs o Cântico do Irmão Sol para o qual improvisou logo uma radiante melodia.

Aí tudo se reconcilia: o céu com a terra, os homens inimizados entre si, a vida com a morte. O homem novo que estava sendo gestado em Francisco acaba de nascer. Por isso ele é o homem do Paraíso, tão inocente e cheio de luz como no dia primeiro da criação. Valeu o esforço de identificação com o novíssimo Adão Jesus Cristo. Francisco será o "único depois do Primeiro" e quiçá o último cristão no sentido radical desta palavra.

O Paraíso não está totalmente perdido. Quem se despojar como Francisco a ponto de ser ave com a ave, terra com a terra e leproso com o leproso, poderá cantar também com todas as criaturas. Então, o Cântico di Frate Sole terá estrofes sem fim.

De Leonardo Boff, extraído do livro "Francisco de Assis, o homem do Paraíso", Editora Vozes.

Belíssimo texto sobre a estigmatização de S. Francisco, de autoria de Leonardo Boff, que me foi enviado pela irmã Luzia Lapa, da OFS Valongo. Oswaldo

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