Frade franciscano apela a uma «elevação espiritual» que toque «todos os povos», sem a «euforia neurótica» que marca a passagem de ano
O frei Fernando Ventura quer que o primeiro instante de 2011, um segundo, seja dedicado à comunhão espiritual com todas as pessoas do planeta, independentemente das suas convicções religiosas.
“A ideia é de que, à medida que o novo ano fosse entrando em cada fuso horário, houvesse alguém com vontade de sair de si, em oração, independentemente da sua sensibilidade religiosa”, promovendo “acima de tudo um encontro de humanidade”, explica o religioso católico à Agência ECCLESIA.
O biblista pretende que o início de 2011 constitua, do “Oriente ao Ocidente”, uma “elevação espiritual” que possa “tocar todos os povos”, incluindo as “sensibilidades não religiosas” que “partilham o ser pessoa”.
A iniciativa ambiciona fazer “de uma nova década o início de um novo ciclo, aumentando a consciência universal da necessidade absoluta de ir para além das fronteiras religiosas, percebendo que Deus não tem religião nem limites filosóficos”, diz Fernando Ventura.
A proposta nasceu de um desafio deixado na página do Facebook do franciscano capuchinho por Abraão Rafael, que o religioso ainda não conhece pessoalmente, mas que acredita, pelos contactos que tem estabelecido, não “vir do mundo cristão”.
“É uma provocação o mais possível”, acentua frei Fernando Ventura, que qualifica de “meteórica” a adesão registada naquela rede social da Internet poucas horas após a apresentação da ideia, que em 2011, diz, será uma espécie de “ensaio geral”.
O animador bíblico admite que a proposta “pode provocar algumas reacções epidérmicas de alergia”, mas ainda assim já a levou à hierarquia da Igreja: o sacerdote sugeriu a D. Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa, que a Conferência Episcopal Portuguesa aderisse à iniciativa e o prelado “disse imediatamente que sim”.
O religioso de 51 anos admite que um segundo “não é de todo suficiente, mas é um primeiro passo”: “Não podemos pedir demais. Para o ano vamos pedir dois…”, diz.
“O ser um segundo é uma provocação. É evidente que não chega. Mas devagarinho, talvez consigamos passar uma mensagem diferente, que não seja só a do Natal ‘made in China’ [fabricado na China] ou da euforia neurótica dos gritos dos primeiros momentos do ano”, sublinha.
A iniciativa tem também como objectivo purificar as crenças religiosas de concepções que instigam a guerra: “Penso que estamos no tempo de matar as religiões que matam”, frisa frei Ventura, para quem a actual “crise das religiões” é “querida por Deus”.
“Uma relação de fé com Deus implica uma relação de intimidade com os outros”, pelo que as religiões têm deixar de ser “combustível” para conflitos que não são mais do que políticos, defende.
Fernando Ventura fala de um “casamento de Deus com a História” para evocar a tradição judaico-cristã que salienta o desejo de harmonia e comunhão entre o divino e todas as culturas.
Nas primeiras linhas do Génesis, livro que abre a Bíblia, “Deus começa solteiro”, manifestando-se num “espírito que paira sobre a superfície das águas”, e na última linha do Apocalipse, texto que encerra a Escritura, descreve-se “o encontro final” entre Deus e a humanidade, sintetiza o religioso.
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